O LAGO ARTIFICIAL DE SÃO JOSÉ, ITABORAÍ (RJ) E OS RISCOS PARA A SAÚDE.
HUMANA.
Benedicto Humberto Rodrigues Francisco (CBA, cbarqueol@yahoo.com.br)
Vanessa Maria da C.Rodrigues Francisco (MN-UFRJ, vavamaria2005@yahoo.com.br)
I - Introdução
A aplicação do conceito de ciclo de vida às indústrias é bem recente, mas pelo menos dois setores o vêm usando há mais de uma década, a mineração e a disposição de resíduos sólidos (Sanchez, 2001). A mineração foi o primeiro setor no qual se iniciou discussão sobre a questão da desativação das instalações Atualmente muitas empresas planejam isso antes do término das atividades e até mesmo antes de começá-las. Os planos de encerramento das atividades ou de recuperação das áreas degradadas visam, sobretudo, a anular o passivo ambiental deixado pela atividade. Infelizmente estas providências não aconteceram no caso da mina objeto desse estudo.
Em São José de Itaboraí foi descoberta em 1928 uma ocorrência de calcário sedimentar (depositado em uma pequena bacia do início do Terciário).
Logo depois da descoberta, os estudos mostraram a viabilidade da explotação do calcário para fabricação de cimento, do qual o Brasil era carente, posto que importava praticamente tudo que consumia.
Instalada em Guaxindiba (São Gonçalo), a Fábrica de Cimento Mauá passou a usar o calcário da bacia de São José a partir de 1933. E a explotação da matéria prima gerou, além dos conhecimentos sobre a geologia e paleontologia, uma cava com cerca de cem metros de profundidade, mil metros de comprimento e quinhentos metros de largura.
Em 1982 a empresa de cimento verificou que a jazida estava praticamente esgotada. Após tentativas frustradas de obter nas proximidades uma continuidade ou outra ocorrência idêntica de calcário sedimentar, optou por buscar a matéria prima em Cantagalo (RJ), onde ocorre calcário cristalino em lentes no embasamento granito-gnáissico de rochas pré-paleozóicas.
Com o abandono da área formou-se uma lagoa que foi aos poucos preenchendo a antiga cava.
Medições efetuadas no ano 2000 pelo CREA-RJ para elaboração da carta da lagoa mostraram que a profundidade máxima atingia 25 metros.
Com a carência crônica de água na região ficou decidi do que a água da lagoa seria usada para abastecer a população local. Foi criada para esse fim uma cooperativa (Cooperágua).
Em 1990 a área foi desapropriada pela prefeitura e em 1995 foi criado por decreto lei municipal o Parque Paleontológico. Pelo decreto estava garantida a continuidade da exploração da água para o abastecimento público
II- Os riscos para a saúde
Substâncias químicas que fazem parte naturalmente das rochas do embasamento e dos depósitos sedimentares, estão sujeitas a sofrerem alterações químicas em contato com a atmosfera e com ácidos orgânicos (intemperismo). Em contato com a água do lago artificial podem liberar elementos tóxicos, eventualmente com teores acima do permitido pelos órgãos públicos especializados como a FEEMA e o CONAMA.
O ecossistema da lagoa tem apresentado um crescente aumento de matéria orgânica e vida microbiótica. A presença de algas foi determinada em amostra coletada por um dos Autores e examinada pelo setor de micologia do Museu Nacional. A possibilidade de desenvolvimento de organismos prejudiciais é uma realidade que precisa ser investigada.
Animais como moluscos gastrópodes presentes nas margens da lagoa podem ser vetores de patologias tendo em vista a presença de praticantes de pesca esportiva no local diariamente.
Materiais diversos (compostos metálicos e outros) deixados pela indústria extrativa no interior da cava aumentam ainda mais a possibilidade de contaminação da água, tornando-a futuro impróprio para consumo doméstico e favorece a possibilidade de contaminação através ingestão de pescado.
Tendo em vista todas essas possibilidades foi efetuado um trabalho preliminar, como subsídio para posterior planejamento de ações preventivas e monitoramento do Ecossistema tendo em vista o consumo humano da água e dos peixes da lagoa artificial.
III - A geologia local
Como foi visto a lagoa de São José acha-se localizada na antiga pedreira de São José e formou-se após o abandono da área pela companhia de cimento e a retirada das bombas que mantinham o local seco durante a lavra de calcário de 1933 até 1982.
A pequena área em estudo apresenta uma geologia simples com os litossomas depositados normalmente sobre o Embasamento Cristalino Pré-Cambriano, cortado por pegmatitos e veios de quartzo e por diques de rochas básicas e alcalinas meso-cenozóicas.
Pré-cambriano: Abrange as rochas gnáissicas e cataclásticas e que por dificuldade de separação foram reunidas neste conjunto lito-estratigráfico informal. Predominam rochas cataclásticas, além de gnaisses e migmatitos entremeados, restos de metassedimentares, quartzitos, calcissilicatadas, xistos, gonditos, raros granitóides gnaissificados. Segundo Heilbron (2004) fazem parte do Domínio Costeiro do Orógeno Ribeira.
Mesozóico-cenozóico: Representado pelas rochas básicas do Cretáceo e pelas rochas alcalinas do Cretáceo-Terciário. São encontrados fragmentos de brechas alcalinas, associadas ao magmatismo alcalino que originou o litosssoma do Maciço de Rio Bonito. Esse conjunto meso-cenozóico é representado também pelos depósitos carbonáticos da bacia de São José, seguidos de sedimentos semelhantes ao da Formação Macacu, com argilas, siltes e areias, sobrepostos pelos rudáceos (cascalheiras) do Pleistoceno. Os vales fluviais são constituídos de camadas de areias de granulometria variada, com grãos de quartzo angulosos a subangulosos. A Geologia pode ser observada no mapa geológico (fig. 01) e nas fotos (figs. 02 e 03) que ilustram esse trabalho.
Os diferentes litotipos do calcário travertino da Bacia de São José de Itaboraí são:
1 - travertino calcítico puro fibroso
2- travertino impuro maciço contendo grãos detriticos de quartzo, feldspato, mica, argila, além de fósseis disseminados em uma matriz calcítica.
3- tufa porosa distal.
4- travertino pisolítico.
COLUNA ESTRATIGRÁFICA
PERÍODO
ÉPOCA
DESCRIÇÃO SUMARIZADA
QUATERNÁRIO
Holoceno Depósitos argilosos, arenosos, cascalhos.
Pleistoceno Cascalhos, areias e argilas, com restos de vertebrados.
TERCIÁRIO
Plioceno (?).
Seqüência Superior
Argilas, areias, seixos, sem fósseis conhecidos (Formação Macacu).
Eoceno Ankaramito São José
Paleoceno Superior
(Itaboraiense) Seqüência Intermediária com depósitos arenosos e argilosos contendo restos de vertebrados, preenchendo canais e galerias de dissolução da seqüência mais antiga.
Paleoceno Inicial Seqüência Inferior com depósitos carbonáticos, predominando travertino e calcário argiloso cinzento, contendo restos de gastrópodes, vegetais, ostrácodes, raros vertebrados.
PRÉ-SILURIANO
Granitos, gnaisses, mármores do Embasamento (Domínio Costeiro).
As análises mais recentes confirmaram a pureza elevada do travertino bandeado, que tem em média 53% de óxido de cálcio. O calcário impuro mostra alto teor de Si, Al, Rb, Ba, devido à presença de grãos detriticos. O Sr ocorre em todas essa rochas variando de 275 a 2300 ppm (Sant' Anna et al.2000).
Além do calcário travertino ocorrem calcários argilosos, brechas calcárias, folhelhos e silexíto. Variedades mais grosseiras (calcirudito) são observadas alternadas com calcário areno-argiloso e com o travertino. Apresentam grãos angulosos de quartzo, feldspato, mica, fragmentos de rocha, em matriz de minerais de argila e calcita.
Os sedimentos que preenchem os canais de dissolução (margas e brechas) mostram maior maturidade com caulinização de feldspato e aumento dos minerais de argila.
Os minerais pesados da fração areia mais comuns são a mica preta, clorita, granada, zircão, topázio, pirita e calcopirita.
Análises de testemunhos de sondagem mostram a presença de pirita, calcopirita, topázio, limonita, goetita, magnetita, titanita, zircão, piroxênio e óxidos de manganês.
O embasamento da bacia é constituído de biotita-gnaisse, microgranular com cristais de quartzo e feldspato, biotita e granada almandita, além de pequenos grãos de zircão. Lentes de mármore ocorrem no embasamento sendo constituídos de cristais de calcita, pequenos pontos verdes, identificados como anfibólio. Ocorre também plagioclásio geminado com inclusões de diopsídio. Cristais esverdeados de actinolita, quartzo e alguma titanita completam a mineralogia. Esse calcário do embasamento parece ter sido a fonte do carbono e do cálcio a partir de águas quentes ascendentes ao longo da falha e que formavam localmente hot-springs. Os grãos detriticos do travertino impuro e das demais rochas da seqüência basal foram transportados pelo sistema de drenagem. A tufa foi depositada distalmente, provavelmente sobre influência de agentes orgânicos.
Fragmentos de rochas alcalinas foram descritos por Rodrigues-Francisco (1975). São amostras de traquitos e fonolitos associados ao magmatismo alcalino regional. O traquito é uma rocha afanítica contendo feldspato, nefelina com minerais opacos e possivelmente pirita. A descoberta mais recente foi a de ankaramito no bordo norte da bacia. Essa rocha apresenta feldspato, piroxênio, olivina e calcita.
Cobrindo a seqüência carbonática os sedimentos da Formação Macacu são constituídos basicamente por quartzo, feldspato semi-alterado, palhetas de muscovita e minerais pesados como zircão, turmalina e ilmenita. Mineral de argila predominante é do grupo da caulinita eventualmente do grupo esmectita. Concreções limoníticas e silicosas estão presentes
Finalmente, capeando tudo, jazem os depósitos rudáceos do Pleistoceno com seixos de quartzo e brecha silicificada.
IV – Discussão e conclusão
A litodiversidade local aliada à atividade antrópica responde pela possibilidade real de ocorrerem no ambiente da lagoa de S José elementos químicos com teores elevados ou acima dos limites permitidos pelos órgãos especializados como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
A presença de elementos químicos como Ca, Al, Sr, S, Cu, nos sedimentos se forem liberados para as águas da lagoa e para o solo local pode vir a apresentar toxicidade para os seres humanos e animais.
Embora não sejam conhecidos até o momento casos de contaminação por elementos tóxicos que possam ser atribuídos ao consumo da água do neolago formado na antiga pedreira São José, e não se saiba nada a respeito desse assunto relativamente ao consumo da pesca local, a continuação de estudos e o correto monitoramento da água distribuída para a comunidade pela Cooperágua é indispensável. Isso, sobretudo por conta do desconhecimento que se tem desse Ecossistema, em fase de readaptação após 50 anos de intensa atividade extrativa mineral. A área, bastante degradada pela mineração, e que não foi devidamente recuperada pela mineradora, pode vir a apresentar sérios riscos para a saúde humana de moradores e visitantes. A assembléia mineralógica em consonância com a respectiva composição química, conforme ficou demonstrado neste trabalho indica a necessidade imperiosa e urgente dessas providências.
Abstract
The lake of Sao José, Itaboraí, Rio de Janeiro State, was formed when the Mauá cement industry left the quarry in 1983.Since then groundwater has slowly occupied the open space left by the quarry of the limestone. The water is utilized for distribution to houses in the surrounding areas. After a few years, an increase in calcium carbonate and others elements is expected. In order to find out the real extent of the problem study of chemical composition of the water distribute to the population is required,
Some analyses have demonstrated already contamination by fecal coli form in the lake water in quantities above the limits allowed by Brazilian and International standards.
Bibliografia
Heilbron, M. (2004) Compartimentação e evolução tectônica do Orógeno Ribeira no Estado do Rio de Janeiro: Estado da Arte e aplicação. Prêmio Geologia do Estado do Rio de Janeiro, 2004 DRM/RJ (inédito).
Rodrigues-Francisco, B.H. (1975) Geologia e estratigrafia da Bacia de São José, município de Itaboraí, Dissertação de Mestrado, 1975, IGEO-UFRJ.
Sanchez, L.E. (2001). Desengenharia: O Passivo Ambiental na Desativação de Empreendimentos Industriais. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo.
Sant Anna, L. G., Riccomini, C., Carvalho, M., Sial, A.N., Rodrigues-Francisco, B.H. e Valarelli, J.V. (2000) Paleocen/Eocene travertines in the Itaboraí basin (Rio de Janeiro State, southeasthern Brazil). In The 31 International Geological Congress, CDROM, Rio de Janeiro, 2000.
Sant' Anna, L , C. Riccomini, Rodrigues-Francisco, B.H., Sial, A.N., Carvalho, M.D. Moura, C.A.V.(2004 )The Paleocene travertine system of the Itaboraí Basin, southeastern Brazil.. Journal of South American Earth Sciences, Inglaterra, v. 18, n. 1, p. 11-25, 2004